Battlemesh V12

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Construindo Redes Comunitárias por prazer e não para lucrar

Aconteceu entre 8 a 14 de Julho de 2019, em Paris, na França a 12a edição da Batalha dos Protocolos de Redes Mesh, conhecido carinhosamente como Battlemesh. A página na Internet assim resume o encontro deste ano:

O evento tem como objetivo reunir pessoas de todo o mundo interessadas em redes comunitárias, incluindo tecnologias de rede mesh sem fio, infraestrutura de fibra, Provedores de Acesso à Internet Faça-Você-Mesmo e mais geralmente como criar e manter uma comunidade promissora de pessoas envolvidas na construção de suas próprias redes.

Propomos 7 dias repletos de apresentações de especialistas, workshops práticos, sessões de hackers de fim de noite e discussões frutíferas: seja um entusiasta da rede mesh, ativista de redes comunitárias, desenvolvedor de protocolos ou tenha interesse em redes em geral, venha se juntar a nós!

Este ano, gostaríamos de expandir os tópicos para além de wireless, com um foco duplo em fibra ótica e comunidade. Mas provavelmente você também conhecerá os desenvolvedores das implementações de protocolo de malha de código aberto mais populares: Babel, B.A.T.M.A.N., BMX6, OLSR, L3 e L2 e IEEE 802.11s“.

O primeiro dia começou com a apresentação de Débora Leal, pesquisadora de doutorado em Colônia, na Alemanha. Débora colabora há anos com a rede comunitária de Boa Vista do Acará, vizinha da cidade de Belém, região norte do Brasil, e tratou do tema da comunicação e violência junto a comunidades na Colômbia no contexto das FARC.

Na parte da tarde, Débora traduziu a palestra de Elaine, voluntária que mantém com seu grupo a rede de compartilhamento de Internet em Boa Vista do Acará. Entre os temas de destaque, chamou a atenção a discussão sobre a apropriação tecnológica partindo do desejo e da necessidade, e menos do conhecimento prévio. Ou seja, o improviso de materiais e o aprendizado permanente podem ser ferramentas eficientes na construção de redes. O baixo-custo, no entanto, não supera a dificuldade de organização para a manutenção das redes: a implementação de portais captivos, para identificar e regular o uso da rede por meio de cadastro, ainda parece ser uma alternativa importante para a sustentabilidade e engajamento coletivo na gestão da rede.

O primeiro dia ainda contou com duas atividades voltadas para discussão sobre gênero e redes comunitárias. Partindo de sua experiência entre dois continentes, a ativista Isa propôs:

“Eu gostaria de incluir um painel de discussão para compartilhar experiências de mulheres em redes mesh. Espero ouvir algumas experiências da comunidade na Europa e espero que algumas mulheres sejam ativas na América Latina para compartilhar experiências. Eu também quero convidar homens a participar da discussão para refletir sobre as possibilidades de as mulheres participarem de redes mesh.

Isa estava acompanhada de seu filho Amaro, que iluminava o ambiente por onde caminhava, ainda cambaleante, entre sonecas e amamentações: uma misturinha entre Isa e Gui, nosso compa viajante do Altermundi. O fato mesmo de Isa trazer o pequeno ao evento e sentar-se sobre a mesa, em plena atividade, para alimentar seu pequeno foi bastante emblemático: uma pesquisadora do Senegal comentou que essa cena seria impensável em seu país, e destacou o quanto ainda temos que avançar no acolhimento das diferentes demandas de gênero e gerações junto às nossas redes.

No segundo dia, apresentei às 10h30 a CooLab, o histórico de trabalho desde 2017 e a reformulação que passamos, agora com 8 pessoas dedicadas ao coletivo horizontal, nosso core. Conforme havia proposto, a apresentação teve também um caráter prospectivo, de convite a pessoas que quisessem se somar aos projetos que estamos submetendo visando a instalação de infraestrutura de telecomunicação comunitária na Amazônia. Discutimos o contexto brasileiro de emergência de um governo de ultra-direita, e formas de resistência aos ataques sobre direitos, humanos, sociais e culturais. Parte da audiência ficou bastante impressionada com o fato de que praticamente metade da população brasileira ainda não possui conexão à Internet e o uso das redes mesh pareceu a tods extremamente oportuno para compartilhar e construir essa conectividade.†

O debate sobre o contexto brasileiro foi seguido pela apresentação de Panos, pesquisador grego que descreveu as atividades de um espaço em Zurique, na Suíça, gerido coletivamente por artistas e ativistas. As questões de sustentabilidade e a distinção entre os espaços públicos e privados marcaram a conversa, que iria ainda ser continuada em outra atividade de Panos prevista para a tarde, sobre a captura do discurso das redes comunitárias e critérios de reconhecimento de nosso trabalho.

A terceira palestra do dia mergulhou em aspectos mais técnicos das redes: Gio, italiano que colabora com o nossos parceiros do Altermundi, do ninux e do guifi.net, apresentou o Repo.io, um

repositório descentralizado de cultura, que permite a publicação e o compartilhamento de conteúdo de forma organizada, adequada para áudio, vídeo, texto e outros formatos. Isso permitirá que as comunidades compartilhem a cultura de maneira duradoura, priorizando o intercâmbio local (não precisam de conexão global com a Internet) sem perder a capacidade de atingir um público global. Na palestra apresentarei o status atual do desenvolvimento do elRepo.io, para onde estamos indo, como usá-lo como usuário, como usá-lo como desenvolvedor (JSON API) e como contribuir para o desenvolvimento”.

Na parte da tarde, algumas palestras ainda trariam ainda mais o contexto global de funcionamento das redes comunitárias, incluindo o status de desenvolvimento de alguns protocolos conhecidos de algumas redes, como Babel, escrito pelo polonês Juliusz Chroboczek. Tendo recém-chegado de sua longa viagem, Javi, de Oaxaca, nos contou sobre o histórico do trabalho da Rhizomatica, apresentou fotos e, sempre muito simpático, respondeu às perguntas do público enfatizando a maneira como a cultura local se apropria das tecnologias: a descrição de um ritual para a instalação de uma torre foi o exemplo mais contundente de sua fala.

O dia terminou com a apresentação de uma das maiores conquistas das redes comunitárias nos últimos anos: o Libre Router, assim definido em seus objetivos:

O projeto Libre Router projetará e produzirá um roteador sem fio multi-rádio de alto desempenho voltado para as necessidades das Redes Comunitárias. A realidade do Sul Global e a da América Latina em particular serão especialmente consideradas em termos de custo e viabilidade legal“.

A quinta-feira foi mais dedicada a workshops e decisões em torno da avaliação dos protocolos até o fim do encontro, que dão nome ao evento, a batalha das redes mesh. Muito interessante foi a apresentação do alemão Reinhard, atualmente radicado na Grécia, onde mantém uma rede de internet sem fins lucrativos. A saga de anos de investimento na rede, os problemas com as autoridades – que não conseguiam enquadrar o tipo de atividade que era exercida – o detalhamento técnico, tudo isso foi abordado com muito bom humor em uma palestra de meia-hora, que incluiu um convite para visita a uma praia tranquila da baía grega. Reinhard frequenta a battlemesh há várias edições, e é um exemplo de como se pode fazer internet partindo de poucas ferramentas e muita pesquisa.

A sexta-feira e o fim de semana estiveram voltados para atividades auto-geridas, encontros e muito desenvolvimento técnico. As palestras foram transmitidas e gravadas, e devem estar em breve disponíveis no site do evento. Ao todo, somamos cerca de 60 pessoas de várias partes, com distintas experiências, e o êxito do encontro só faz crer que novas batalhas estão por vir, cada vez mais inclusivas e abertas a diferentes questões de interesse das redes comunitárias. Durante os intervalos e ao longo das refeições, realizei 8 entrevistas, que pretendo editar para compartilhar em uma nova série de podcasts da CooLab, em inglês, português e espanhol: seguimos!